segunda-feira, 25 de julho de 2011

UM ANJO OU DEMÔNIO?




Ela sempre tão turrona, de cara fechada, palavras amargas com um discurso sempre “curto e grosso”... todos sempre falando mal dela e, de como ela não se importava com ninguém, de como ela era desatenciosa e antipática, achei que era uma velha carrasca...
Até que chegou a minha vez de ser atendida por ela, até as enfermeiras que trabalhavam no recinto faziam uma cara de “desaprovação “ todas as vezes que o seu nome era citado, tanto pelos pacientes, como por eles próprios, pareciam que estavam falando do “diabo”;

Na minha cabeça os Dr. Infectologistas deveriam ser mais atenciosos, um pouco psicólogos, o mais humanos que pudessem ser, por que já vivemos sob a pena de não confiar em ninguém, na intenção de nos resguardarmos do preconceito. Quando chegamos ao consultório e como se tivéssemos em um oásis, ali a gente está com um medico que entende tudo sobre o assunto, logo poderá tirar as nossas duvidas e sem julgamentos pois são médicos. Agora se não pudermos conversar sobre isso com eles ai fica difícil.
Faço uma comparação aos pediatras, pois tem que ter vocação, os que não gostam de crianças, e agem de acordo com a técnica, não conseguem ganhar a confiança das crianças, e assim se torna um “Deus nos acuda” para manter a criança quieta a ponto de se deixar ser examinada, mas quando ele tem empatia e amor pelo que faz, tudo se torna mais fácil e menos traumático para seus pacientes, todos saem ganhando.

Quando entrei me deparei com uma linda mulher que não passava dos 30 anos, fiquei chocada, por que escutei tantas coisas ruim mais ela tinha cara de anjo, até me fazia lembrar de uma prima que eu adoro!
Ela com um ar super sério, deu um sorriso tímido e me cumprimentou, pediu que eu e meu marido nos sentássemos e que eu começasse a contar a minha história, pois ela queria entender como eu fui parar ali...
Ela já fez logo uma cara de surpresa ao ouvir minha idade, pois achou que estava diante de uma menina de no máximo 17 anos, o que caiu por terra pois eu tinha 22, e continuei contando tudo que a interessasse saber.
Quando terminei de falar ela pediu licença e começou a me examinar, eu ousei a fazer algumas perguntas mais ela ignorava a todas, meu marido também tentou tirar uma duvida, mas com ele a reação dela foi pior do que ficar calada, disse que estava ali para cuidar de mim e do neném que eu esperava, e que se ele quisesse tratamento que procurasse em nosso município.
Senti em sua grosseria que ela estava sentindo minhas dores, pois a todo o tempo fazia cara feia para ele, em um tom de desaprovação pelo fato de eu estar ali gravida e contaminada pelo HIV, que foi transmitido por ele... E assim foi minha primeira consulta e o nosso primeiro contato.

Ficou combinado que eu voltaria em 4 em 4 messes, mas de vez em quando eu faltava e ai a consulta era remarcada dando um período de 6 messes sem que eu a visse;

O engraçado é que no decorrer do tempo continuava escutar as terríveis experiências que os outros pacientes passavam com ela, mas tirando o seu jeito meio frio, eu não tinha muito do que reclamar pois em alguns momentos ela chegava a sorrir para mim, quando eu faltava ao contrario dos outros pacientes eu não levava broncas e sim conselhos de que eu evitasse faltar pois se não seria transferida para o meu município, e só.

Uma vez eu entrei em sua sala, e ela estava discutindo horrores com uma pessoa ao celular, ai pensei:_ “hum é hoje que vai sobrar para mim, vou virar bode expiatório, mas foi um dos dias que ela foi mais simpática, ai eu ficava me perguntando por que comigo ela não é essa carrasca de que todos tanto falam? Sempre sorri para mim...
Até que segunda passada tive uma nova consulta com ela, que já era remarcada pois eu já tinha faltado a última, como cheguei muito atrasada já não tinha nenhum paciente, ela já estava organizando suas coisas para ir em bora, quando me viu achei que fosse falar que não me atenderia, mas ao contrario do que pensei ela abriu um sorriso imenso ficou esperando a enfermeira medir minha pressão, e falou vamos? toda empolgada.
Quando chegamos a sua sala, nos sentamos e ela disse, Olha você já está um tempão sem vir aqui, e se você ficar faltando as consultas vão te transferir para o seu município pois aqui as vagas são muito disputadas, então “por favor” evite ficar faltando, para não ter que deixar de se tratar aqui, olhei para ela como quem dizia:
Faz diferença? Por que na minha cabeça ali ou em outro lugar, o importante era eu continuar tendo um acompanhamento, mais não estava me importando muito a onde seria. Mas como se tivesse entendido a minha expressão a resposta veio rapidamente:
_E eu queria muito continuar te acompanhando...
Ela olhou os resultados dos meus exames e se empolgou, nossa que maravilha você ainda não precisa fazer uso dos retrovirais, ou melhor não precisava né!!! Por que esse resultado é do começo do ano, vou pedir para você repetir esses exames na segunda feira, e mês que vem você me trás os novos resultados.

Para puxar conversa enquanto ela preenchia os pedidos, me veio uma pergunta meio que idiota na cabeça. Eu até tinha uma bem mais interessante, mais a vergonha não me deixava perguntar, pois era um assunto bem mais delicado, então prossegui com a idiota mesmo,
_Dr. Tem gente que fica muitos anos sem tomar esses medicamentos?
Ela olhou para mim e sorriu, dizendo claro, como não? Você é uma dessas, já vão fazer 3 anos né! Mas ela respondeu com uma imensa cara de satisfação, lógico que os muitos anos do qual me referia eram realmente “muitos anos” tipo de 10 para mais, mas quando ela me olhou daquela forma foi meio que dizendo você está no caminho dos 10 ou até mais.
De repente ficamos nos olhando com uma imensa cara de satisfação, senti orgulho em seu olhar e sei que ela sentiu no meu também, me levantei e ela veio como um jato para me abraçar, e eu fiquei ali meia sem jeito e ela acabou ficando também, 2 turronas! mas os nossos olhares diziam tudo que precisávamos saber, foi o silêncio que mas disse tudo, a satisfação dela como medica, e a minha por saber que ela se importava, e que acreditava que eu ficaria bem por muito tempo ainda...

Sei que ali, uma nova fase começou na nossa relação medica e paciente, agora eu confio na medica que tenho, e ela sabe disse, não vai querer perder essa confiança... E eu resolvi ficar com o anjo...




Paula de Paula

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